quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Fotografia sem câmera: revisitando escritos tomados pelo tempo e pela memória

Naquele momento eu senti que presisava de muito mais ar do que minhas narinas poderiam suportar.
era como se me faltasse espaço para entrar tamanha quantidade
por ora uma sensação de sufocamento
além-velocidade que eu poderia voar
era como se eu adentrasse as estradas
fizesse parte delas
momentaneamente eu me deslocava em direção ao sol
sim, ele é laranja ou cor de
mas sempre me doía os olhos quando o encarava bem de frente
aquele vento amenizava o raio cego indo ao encontro da imagem que nunca vou esquecer
na ponte, em um horário não estabelecido pelos ponteiros, mas ao relento do acaso
o sol laranja ou cor de
é um híbrido
e se mistura com a cidade

(Escrito depois da viagem de moto vindo do laranjal, pelotas, RS, 2006. Revisito esse escrito justo agora que estarei de volta em Pelotas... Só quem morou nesta cidade sabe o que estou falando)

Interiores, ou como uma relação morre e é preciso deixá-la IR.


Quando conheci Eve, havia deixado o curso de direito.
Ela era muito bonita. Pálida e elegante em seu vestido preto, com nada além de uma fileira de pérolas.
E distante. Sempre elegante e distante.
Quando as garotas nasceram era tudo tão perfeito, ordenado.
Em retrospectiva, era rigidez.
Ela criou um mundo à nossa volta, onde tudo tinha seu lugar, harmoniosamente.
Muita dignidade.
Diria que era um palácio de gelo.
Então um dia, vindo do nada, abriu-se um enorme abismo sob nossos pés, e em frente de mim havia um rosto que não reconhecia mais.

Interiores, Woddy Allen

*Foto minha, sob cenário do show de retorno de Nei Lisboa a Porto Alegre, depois de sua primeira turnê nacional, com mais de 40 anos de carreira, no Teatro São Pedro. Lindo!!

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Todo o vir-a-ser queria, comigo, aprender a falar...







Cenas de um livro fantástico que encontrei totalmente por acaso, primeiramente como imagem. Desenhos de Maximilien Le Roy e roteiro/adaptação de Michel Onfray, aquele filósofo francês delicioso de ler. Neste blog há um texto igualmente delicioso, falando sobre essa obra. Fica a dica para os amantes de hq's, e de reflexões que nos movimentem...

domingo, 5 de dezembro de 2010

Gracias.

Hora de rever. hora de se rever. hora de repensar. hora de atualizar. hora de desprender. hora de desapegar.  hora de reerguer. hora de caminhar. hora de se assumir. hora de mergulhar. hora de agradecer. Gracias a la vida, pelos olhos, pela capacidade de sorrir, pela capacidade de levantar e de sempre aprender.


domingo, 28 de novembro de 2010

Um passeio socrático pelas páginas do consumo.


"Ao viajar pelo Oriente mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China . Eram homens serenos, comedidos, recolhidos e em paz nos seus mantos cor de açafrão.

Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo : a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: 'Qual dos dois modelos produz felicidade?'


Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: 'Não foi à aula?' Ela respondeu: 'Não, tenho aula à tarde'. Comemorei: 'Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde'. 'Não', retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã...'. 'Que tanta coisa?', perguntei.. 'Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina', e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: 'Que pena, a Daniela não disse: 'Tenho aula de meditação!'


Estamos construindo super-homens e super-mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados. Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: ' Como estava o defunto?'. 'Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!' Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?


Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizi nho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também eticamente virtuais...


A palavra hoje é 'entretenimento'. Domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este refrigerante, calçar este tênis, usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!' O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.


O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental, três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse.


Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shoppings centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas....


Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do Mc Donald...


Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: 'Estou apenas fazendo um passeio socrático. Diante de seus olhares espantados, explico: 'Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia:

"Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz!" "


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*Quando recebi esse texto, não havia a autoria. Apesar disso, que ele ressoe no que propõe de reflexoões... Isso importa. Achei interessante compartilhar.

**Ainda em tempo, algumas atualizações. Disseram-me que esse texto era do Frei Betto, alguém confirma? Muito pertinente.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Sobre pássaros musicais.

"A lição que fica pra mim é que é possível ver poesia em qualquer lugar, depende só do jeito que a gente olha".




quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Fotografia sem câmera II

D'aquilo que não se pode t(s)er   16.11.10

Um menino morador de rua - roupa suja, rasgada, pés descalços - segura as mãos nas grades de uma janela, projetando o corpo para melhor observar o que acontece no interior. Neste perto dos tão longe, várias crianças dançam e tocam pequenos instrumentos percursivos, sob os comandos de um professor atento. A escolhinha está cheia de alegrias.



domingo, 14 de novembro de 2010

Da série "fotografia sem câmera"

Cenas do Brique da Redenção   14.11.10

Um bebê indígena dentro de um carrinho de supermercado (cercadinho nômade) é convidado a se refrescar por um homem (que pode ser seu pai), enquanto este lhe oferece como mamadeira uma garrafa de dois litros de Coca Cola - contendo Coca Cola. A sede manda lembranças.



Não preciso ir muito além dessa estrada...

Algumas palavras.

...

"- Me chamo Miserinha. É nome que me foi dado, mas não de nascença. Como esse lenço que recebi. 
De novo, a sua atenção pousa no Tio. Seu olhar parece mais um modo de escutar. Que seria que ela retirava do meu parente? Talvez sua definhada postura. Sabe-se: a dor pede pudor. Na nossa terra, o sofrimento é uma nudez - não se mostra aos públicos. Abstinêncio se comporta em sua melancolia. A velha coloca a mão sobre a testa, cortinando os olhos, atenta aos tintins dos gestos de Abstinêncio.
- Esse homem vai carregado de sofrimento.
- Como sabe?
- Não vê que só o pé esquerdo é que pisa com vontade? Aquilo é peso no coração.
Explica-me que sabe ler a vida de um homem pelo modo como ele pisa no chão. Tudo está escrito em seus passos, os caminhos por onde ele andou.
- A terra tem suas páginas: os caminhos. Está me entendendo?
- Mais ou menos.
- Você lê o livro, eu leio o chão".

...


Um trecho de "Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra", daquele que faz as palavras dançarem, de tanta cor e movimento que as faz gerar - Mia Couto. Ele, que de Moçambique nos relembra a necessidade de renascer.