segunda-feira, 21 de junho de 2010

Em tempo de lembrar alguns momentos, uma voz.

"Há momentos assim na vida: descobre-se inesperadamente que a perfeição existe, que é também ela uma pequena esfera que viaja no tempo, vazia, transparente, luminosa, e que às vezes (raras vezes) vem na nossa direcção, rodeia-nos por breves instantes e continua para outras paragens e outras gentes."

 

José Saramago, deixando rastros de saudades
In. Manual de Pintura e Caligrafia

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Para encontrar o azul, eu uso pássaros...

Antecipando um texto que estou preparando sobre a grandeza das pequenas coisas, inspiração de um belíssimo filme que assisti e que faz parte da miríade desses escritos vindouros, só mesmo o querido manoelzinho de barros pra nos contar, na sua desbiografia, sobre as grandezas do ínfimo...


acorda, amor

Foto: Fernanda Prado

Diante das emoções dos últimos dias, seguem as coisas se apresentando pra mim, e eu me reapresentando para a vida espalhando essas coisas que me tomam conta... Eis aqui um reencontro com a obra de alguém chamado Fernanda Prado, que já pelas visitas ao seu flickr me instiga com o seu projeto "Acorda, amor", capturando uma foto a cada amanhecer, como primeira atividade do dia. Cotidiano que vai apresentando delicadezas perdidas, daquelas que por vezes já se tornaram tão habituais que às vezes as naturalizamos... e já nem percebemos. É o jeito de colocar o bule na mesa. É o jeito de já nem ter bule na mesa. É a cor da parede ainda não pintada, e os quadros que a gente vai  encontrando em "briks" da Rua José do Patrocínio...

Foto: Fernanda Prado.


Agora, com vocês, a tão esperada *receitinha para perder e encontrar um cd*:

* Tenha a irreversível mania de sempre que for escutar um cd, colocar aquele que você escutou antes, e que, por isso,  está dentro do aparelho de som (dvd, microsystem, discman, a tecnologia que você optar), no interior da caixinha do cd que você quer ouvir. Repita essa parte ad infinitum;

* Quando você quiser ouvir o cd do belle and sebastian tigermilk, e, abrindo a caixinha azul, você encontrar um cd do tim maia racional... Então não há jeito, é chegado o momento de você exclamar "-Ohhhh", pois agora você deve fazer o movimento inverso: ir colocando cada cd novamente nas suas respectivas caixas, até encontrar o cd que você quer escutar. É possível que, no meio desse processo, você já nem queira ouvir mais belle and sebastian, porque achou aquele rolling stones perdido (mas que não teve ânimo de procurar), ou é bem provável, também, que você encontre o cd esperado como o último da fila. Ou o primeiro, depende de onde você quer olhar.

* Pronto! É só colocar na "vitrola" e começar tuuuudo outra vez!!

Observações necessárias I: Não tente fazer isso com o cd chamado "Tambong", de Vitor Ramil. Isso, aquele verde, que ele canta coisas lindas sobre as ilusões de uma casa, e a minha preferida de sempre "só você manda em você", que ele empresta as palavras de Bob Dylan. Esse disco tem um poder imenso, e, mesmo que você tenha sido uma pessoa infalivelmente organizada no seu modo de ouvir suas músicas, é bem provável que um dia você o esqueça em uma caixinha de dvd e, se você ainda fizer parte daqueles - poucos - que hoje em dia ainda locam filme, você irá entregá-lo, junto com o filme, para a pessoa encarregada. Essa pessoa ouvirá Vitor Ramil pelos próximos 7 anos, e seu ato modificará toda uma rede de micro-relações. Uma vida, enfim.


Observações necessárias II: Siga sua vida apesar de mesmo tendo repetido milhares de vezes os processos de perder e encontrar cds, e nunca mais ver Tambong. Também, naquela época você nem ouvia outra coisa, passou meses ouvindo só este disco, não tinha "coooomo" ter pedido (você se repetiu muitas vezes isso). Faça cursos, faça muitas fotos, mude de cidade três vezes, pense em abandonar muita coisa, conheça outras tantas para se apaixonar, volte para a cidade que sempre se sentiu em casa, percebendo que Mônica Salmaso tinha razão, quando cantou, e toda vez que canta "Na volta que o mundo dá". E nessas voltas, já em Porto Alegre, nunca se esqueça de frequentar os briks da Rua José do Patrocínio, e, eventualmente, suba alguns andares de um prédio verde. Pronto. Você encontrou o cd enquanto ele fazia o belíssimo movimento de se espalhar pelo mundo e pelos corações.
Reencontrar o cd perdido por anos trará para você a concretude da modificação de toda uma série de micro-relações. Duas vidas, enfim.


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Esta escrita é dedicada ao querido Felipe.
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terça-feira, 15 de junho de 2010

Memórias da copa I (edição única)



Depois de anos sem ver um jogo de futebol (acho que uns 10 anos, por aí), sem acompanhar as duas últimas copas do mundo, estou aqui diante do grande acontecimento, Brasil versus Coreia do Norte (Renatita acabou de me dizer que não tem mais o acento). Tão mais emocionada com a antropologia do que com o jogo, hehe, fiquei aqui etnografando:

(Brasil vai cobrar a primeira falta, e na televisão comentam que a barreira que os coreanos estão fazendo é "estranha")
Renatita: - "também, o que eles mais sabem fazer é barreira".
(Enquanto estou na cozinha aquecendo água para o chimarrão, ouço a pérola)
Galvão Bueno: - "Olha o kaká se mexeeeendo".
(Quando kaká é substituído)
Renatita: - "Olha o kaká se mexendo... pra fora do campo!"
(Renatita se comunicando com su novio, Memo, que está no México, via cebolar)
Renatita: "Mexico es nuestra esperanza".
Memo: "haha, a que santo te encomiendas?
(Fim de jogo, Coréia fez um, Brasil fez dois)
Cauê: - "amanhã vai estar em todos os jornais: Brasil vence, mas não convence".

E o gatinho segue esperando... rsrs.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Ares de milonga

Editei, não poderia deixar de editar o antigo post sobre a copa, o brasil de cazuza, a abertura da novela... essas obviedades já não fazem o menor sentido depois de o universo me proporcionar uma grandeza como essa que aqui se segue... divido com vocês porque está entre as coisas mais belas vividas... dessas respostas e carinhos e siga em frente que de vez em quando a gente tem a honra de receber do mundo... abraços fortes e demorados ao querido-amigo-matuto-Felipe!!!!

Segue o texto, e a resposta... é lindo.



Délibáb

Para dar sentido ao show assistido hoje é preciso realizar uma digressão, é preciso pegar o Delorean da memória e chegar até 2003, dezembro de 2003 mais precisamente. Durante cinco anos trabalhando em emprestar filmes para os outros, o Matuto fez amigos que perduram até os dias de hoje, fez conhecidos, e acima de tudo conheceu mais filmes que sua massa cinzenta pode armazenar.

Mas foi nesse dezembro de 2003 que o Matuto conheceu Vitor Ramil. Ou melhor, conheceu Tambong – um nome estranho escrito naquela mídia que viera dentro de uma das caixinhas de devolução de filmes. Algum sujeito, esqueceu tal cd (ainda completamente desconhecido para o Matuto) e por obra de um cara chamado “destino”, ou qualquer coisa que o valha, ele foi parar nas mãos do atendente matuto.
Primeiro o Matuto esperou dois dias, e nada do proprietário aparecer. Em suma, o Matuto levou o Cd para casa. Então, nesse dezembro de 2003 começa a história entre os dois – Vitor e Matuto, uma relação que nunca acabou, mas sim amadureceu, fincou raiz e hoje chega até Délibáb.

Aos que seguem esse blog, mas não conhecem o Matuto pessoalmente, adianto, ele é mais novo do que imaginam, por isso, conhecer Vitor somente em 2003 não se constitui em um crime. Claro que esse nome já era conhecido para o, na época, pequeno Matuto, mas nada que fosse realmente significante além do tal do “Vento Negro”. Daí em diante foram vários encontros com a obra do Barão de Satolep, encontrando as obras, escutando e chegando a conclusão que perdura: “Vitor fez toda diferença na criação de uma identidade-auditiva matuta”.

Um Vitor Joquim. Um Vitor meio místico. Um Vitor meio perdido entre o pop e o regional. Um Vitor rasgadamente pop. Um Vitor sambista? Um Vitor cheio de ares de milonga, um Vitor Délibáb.

Em 2010 se completam sete anos dessa relação, que se tornou um livro aberto desde o primeiro dia. Com Vitor o Matuto consegue ficar a zero por hora ao ponto de perguntar que horas não são. A resposta para isso? O matuto só sabe responder que não é céu e que talvez a ilusão da casa torne tudo mais claro em sua opacidade capaz de perceber que até mesmo esse texto já foi no mês que vem.

O show?

Foi um fenômeno ótico, foi uma ilusão sulina, uma miragem, foi Délibáb.

Ps do matuto para o próprio matuto: Esqueça gente conversando ao seu lado. Esqueça celular tocando, esqueça os flash das máquinas. Fique com a memória de um Carlos Moscardini fazendo toda a diferença. Fique com a memória de um Vitor fazendo você se sentir o verdadeiro astronauta lírico naquela altura do Teatro São Pedro.

Ps para todos: Enquanto escrevia esse texto o Matuto pensava e lembrava de Bigatrice, que pode ter alcançado Vitor de forma diferente, mas que com certeza compartilha de um sentimento muito próximo ao do Matuto ao escutar o frequentador mais famoso do Café Aquarius em Satolep. Por isso, dedico esse texto a ela, Bigatrice.

domingo, 13 de junho de 2010

Pra me sentir mais que amada.

"E aí doçurinha de côco!!! como anda a vida? Olha só, impossível ver algumas coisas e não me lembrar de vc. Como vc sabe, eu trabalho em um programa da zona rural, um lugar muito bonito por sinal. Estes dias estava eu indo pra mais um dia de trampo e vi uma coisa tão vc. Agora é época do florescer das lavouras de trigo. Os campos estão super verdinhos, coisa linda. Mas o que me lembrou vc foi o fato de nesse dia ter chovido, a terra que já é vermelha esta bordô. Uma paisagem assim: no meio uma estrada que seguia para o alto, de uma terra bordô, dos dois lados as plantações de trigo, ainda muito verdes, que se encontravam não só com as margens da estrada, mas, lá no alto, com um céu tão azul, um azul ives klein... e pra completar, bem ali perto, uma casa ferrugem de tão velha... aí, nesse quadro, acionei meu obturador e fixei aquilo pra te descrever, e mais, pensei: pena que a Bia não estava aqui... Sentimos muito sua falta por aqui... um bjo enorme, gigante!!"

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Matisse não é capa de livro, pelo gouche de Itabira.

Preso à minha classe e a algumas roupas, Vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo? Posso, sem armas, revoltar-me'? 
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobrefunde-se no mesmo impasse. 
Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova. 
As coisas.
Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase. 
Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais e soletram o mundo, sabendo que o perdem. 
Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal. 
Os ferozes leiteiros do mal. 
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo e dou a poucos uma esperança mínima. 
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu. 
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor. 
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia.
Mas é uma flor.
Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.


Carlos Drummond de Andrade