domingo, 14 de novembro de 2010

Algumas palavras.

...

"- Me chamo Miserinha. É nome que me foi dado, mas não de nascença. Como esse lenço que recebi. 
De novo, a sua atenção pousa no Tio. Seu olhar parece mais um modo de escutar. Que seria que ela retirava do meu parente? Talvez sua definhada postura. Sabe-se: a dor pede pudor. Na nossa terra, o sofrimento é uma nudez - não se mostra aos públicos. Abstinêncio se comporta em sua melancolia. A velha coloca a mão sobre a testa, cortinando os olhos, atenta aos tintins dos gestos de Abstinêncio.
- Esse homem vai carregado de sofrimento.
- Como sabe?
- Não vê que só o pé esquerdo é que pisa com vontade? Aquilo é peso no coração.
Explica-me que sabe ler a vida de um homem pelo modo como ele pisa no chão. Tudo está escrito em seus passos, os caminhos por onde ele andou.
- A terra tem suas páginas: os caminhos. Está me entendendo?
- Mais ou menos.
- Você lê o livro, eu leio o chão".

...


Um trecho de "Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra", daquele que faz as palavras dançarem, de tanta cor e movimento que as faz gerar - Mia Couto. Ele, que de Moçambique nos relembra a necessidade de renascer.

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